sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A Greve dos Médicos e a Atenção Básica (Primária) em Marília

Marília conta com uma satisfatória quantidade de unidades de atenção primária que estão presentes na grande maioria dos bairros. Essas Unidades de Saúde da Família (USF) compõem uma rede atendimento e atuam como porta de entrada no SUS. Esse modelo começou a ser implantado na cidade em 1997 baseado no Programa Saúde da Família que havia sido há poucos anos institucionalizado pelo Governo Federal. Nessa época algumas Unidades Básicas de Saúde foram convertidas em Unidade de Saúde da Família e outras foram construídas em regiões periféricas da cidade. Atualmente, existem 32 Unidades de Saúde da Família que atendem 84 mil pessoas dos cerca de 218 mil habitantes do município.



Cada Equipe de Saúde da Família que compõem as USFs deve ficar responsável pelo acompanhamento de 600 a 1000 famílias, não ultrapassando o limite máximo de 4.000 pessoas. Para que esta estratégia de Saúde obtenha o impacto esperado, todos os integrantes de uma equipe devem cumprir uma carga horária semanal de 40 horas de trabalho, dentro dos princípios preconizados pelo Ministério da Saúde, ou seja, atuar na promoção da saúde, na prevenção das doenças, na assistência e na reabilitação. Deve organizar também, juntamente com o Gestor municipal, os Protocolos de fluxos dos pacientes, definindo as referências e contra referências dentro do Plano Diretor de Regionalização (PDR). A equipe é responsável pela realização do diagnóstico situacional de sua área de atuação, programar as ações baseadas neste diagnóstico, avaliar o impacto de suas ações, monitorar os indicadores epidemiológicos e operacionais, visando uma melhoria na qualidade da assistência oferecida e na vida das pessoas. Todos os profissionais devem dispensar um tempo para visitas domiciliares, realização de atividades com grupos específicos (gestantes, idosos, hipertensos, adolescentes etc...), reuniões da equipe para aprofundamento dos conhecimentos básicos dos agravos mais comuns na atenção básica estimulação do controle social. 


Os sucessivos governos municipais têm se esforçado em legitimar essas considerações sobre Atenção Primária, com evidente dicotomia entre o discurso e a realidade desigual presente no atendimento em Marília. No plano discursivo temos a centralidade da Atenção Primária, como uma política resolutiva (resolveria 80% dos problemas mais comuns da população com pouca densidade tecnológica) e porta de entrada dos serviços de saúde de mais alta complexidade como os Hospitais, através da regulação do acesso. Seria capaz, ainda, de racionalizar os gastos, possibilitando melhor aproveitamento dos recursos e melhor atendimento. Todavia, a realidade nos mostra um panorama diferente, já que as unidades básicas são insuficientes perto do crescimento urbano populacional da cidade, com o qual crescem as más condições de vida. Onde poderia haver um trabalho integrado dos profissionais da saúde com a comunidade, através de visitas domiciliares, controles de epidemias, acompanhamento efetivo de pacientes com doenças crônicas, prevenção de doenças da infância, incentivo ao aleitamento materno, criação de espaços para participação popular da gestão das unidades, hoje se encontra um serviço ruim e pouco resolutivo. São fatos que contribuem para essa baixa qualidade a pouca valorização dos profissionais e sua desmotivação, as péssimas condições de trabalho enfrentadas por eles, pouco preparo técnico, ausência de recursos humanos e materiais, falta de referência na USF por parte da comunidade, baixo conhecimento da realidade local gerando pouca inserção social, pequena relação com outras instituições governamentais e de organização social presentes na região de atuação. Assim, grande parte dos indivíduos terá acesso a uma assistência à saúde gratuita restrita ao cuidado básico (primário), ficando sujeita a filas cada vez maiores pela falta de vagas para consultas ambulatoriais e/ou internações. Por sua vez, os diagnósticos estarão mais atrasados que o habitual, interferindo no tratamento e prognóstico das doenças. Tudo isto acontecendo em escalas cada vez maiores pela crescente precarização do serviço. 


Essa análise não pretende fazer apologia à assistência terciária, porém é necessário defender uma assistência à saúde integral e universal, que deve se expressar como acesso pleno aos diferentes níveis de assistência à saúde, sempre que necessários. A defesa de um Sistema Público, Integral, Universal e Gratuito de saúde deve superar a defesa do SUS, característico dos projetos reformistas. O SUS reflete a realidade desigual e funcionalista da atenção à saúde em nossa sociedade, contribuindo de maneira expressiva para a reprodução e acumulação do capital, ao abrir novos espaços para extração de mais-valia, tendo o Estado como franco financiador das indústrias farmacêuticas e médico-hospitalares. A superação deste impasse na organização da assistência à saúde universal passa necessariamente pela superação de uma sociedade caracterizada pela apropriação privada dos produtos do trabalho coletivo.


Nori Nello

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