sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Formação do Profissional de Saúde - A Saúde Preventivista

Ao final do século XIX, duas formulações no campo da saúde pública serão predominantes. De um lado, o Preventivismo, fundamentada no capitalismo e, de outro lado, a Determinação Social do Processo Saúde Doença, orientada pela visão socialista da sociedade.
Na sua formulação original, a Determinação Social do Processo Saúde Doença entende que o papel ocupado por cada sujeito dentro da cadeia produtiva é fator fundamental no processo de adoecimento.
Assim, ainda que um indivíduo seja acometido por um agravo em saúde cuja etiologia seja puramente biológica, sua evolução será, em última análise, determinada pela forma como está inserido na organização social. 
Não deve-se, portanto, confundir a Determinação com Determinismo. É possível que o ser humano consiga superar as condições mais adversas ou ainda que o acesso a uma vida abastada tenha efeito contrário e gere malefícios a saúde. Mas esses casos são exceção.
Por ser uma visão de forte influência socializante, a Determinação Social do Processo Saúde Doença não encontrará lugar dentro dos países capitalistas desenvolvidos. Ainda que encontre eco dentro da academia e dos movimentos sociais, apenas os países socialistas trabalharão essa concepção como política pública de saúde.
O Preventivismo surgirá como leitura capitalista dos processos de saúde pública. Não negará a forte influência que a sociedade exerce sobre o processo de adoecimento mas se distanciará de um projeto de intervenção na social.
Tese de Doutorado de Sérgio Arouca
Na brilhante tese de Sérgio Arouca, O Dilema Preventivista, o autor faz uma análise pormenorizada da construção histórica desta doutrina. Além de construir uma linha histórica que coloca o Preventivismo como descendente direto do Higienismo anglo-saxão, o autor ainda explicita seu projeto político, sua evolução ao longo do século XX e suas contradições, desde sua origem até a sua aplicação.
Como meu objetivo aqui é discutir as bases da formação do profissional de saúde, me deterei apenas nos pontos que me parecem mais importantes para a discussão.
No artigo A Formação do Profissional de Saúde - 2, o modelo flexneriano se tornaria paradigma para as escolas de saúde. Em seu Nascimento da Clínica, Foucault, mesmo sem citar explicitamente o programa de Flexner, deixa claro que tal projeto se propõe a "ser o fiel da balança das contradições da sociedade" ou, ainda, "que a saúde do homem deixa de ser dele propriamente e passa ser disciplina cientificamente construída dominada por poucos".
As críticas que seriam feitas a inculcação biomédica, convertida projeto público após o Relatório Flexner, seriam feitas dentro e fora das escolas de saúde. É aí partir daí que o Preventivismo ganharia força. Além de ser uma disciplina acadêmica capaz de amparar os anseios daqueles que discordavam da estrutura dos cursos de saúde, ainda permitia uma análise dos processos de adoecimento em escala social no qual o profissional de saúde tinha o papel fundamental ao servir como esclarecedor dos fatores de risco para a vida da população. Seria então reforçado o domínio do profissional de saúde sobre a saúde de cada pessoa além, é claro, da manutenção do caráter fortemente moralista do Higienismo: as pessoas envelhecem porque A querem.
O cuidado se tornaria uma forma de Neo-Vitorianismo no qual a forma como se vive e, portanto, cuida-se da própria saúde, seria totalmente dominada pela vontade de cada um. As condições de vida teriam pouca ou nenhuma importância. Era a ilusão da existência de uma resilência infinita. Ou seja, diferentemente do que seus defensores defendiam na primeira metade do século vinte, não era um projeto antagônico ao que estava colocado nas escolas de saúde, mas complementar.
Mas o ponto chave do Preventivismo não é esse. Além de ser uma visão hermética, era delimitadora nos campos da análise e atuação. Por se colocar como única alternativa ao distanciamento do profissional de saúde do humano, por conta da constante redução causada pelo modelo biomédico, além de disciplina (disciplina tampão, segundo Arouca) se tornaria uma bandeira.
Após a Segunda Guerra Mundial, o acirramento da disputa ideológica entre os blocos capitalista e socialista exigiram que não apenas os países centrais participassem do debate acerca de suas políticas de saúde. Foi desta forma que a OPAS- Organização Panamericana de Saúde, a serviço da propagação dos projetos de saúde oriundos principalmente dos EUA, organizaria Seminários nos anos de 1955/56 no Chile e México, respectivamente, com o objetivo de retirar o uso unicamente acadêmico do Preventivismo.
O resultado destes Seminários seria uma dura crítica a forma de se ensinar: conteúdo, formato, controle da qualidade profissional dos egressos, etc. Tal crítica careceria de maior refinamento, mas criaria terreno favorável as mais diversas mudanças. Formaria-se ali um exército de profissionais, das mais diferentes áreas prontos para assumir a tarefa de impor as transformações necessárias no ensino e, além disso, de reproduzir tal idéia. Mesmo depois do fim da Disciplina Preventivista nas escolas (ou maioria delas) e sua posterior transformação em Saúde Coletiva, seus conceitos-chave ainda estariam presentes. Desde a percepção da atuação clínica como ponto de reorganização das ações em saúde até a hermeticidade da análise dos problemas da saúde pública.
A crise econômica e social que tomaria força nos anos 1970 demandou uma série de transformações nas mais diversas áreas. Como já foi discutido nos textos sobre Atenção Básica e Atenção Básica - Fechamento, a implantação das políticas neoliberais gerou profundas repercussões para a saúde. Mas para a educação não foi diferente.

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