domingo, 24 de outubro de 2010

A Formação do Profissional de Saúde -O Papel da Escola


Dilma Roussef (e) e José Serra (d): visão de ambos os candidatos sobre a
educação tem grande impacto sobre o futuro da sociedade

Na reta final do segundo turno das eleições presidenciais de 2010, ambos os candidatos, José Serra (PSDB) e Dilma Roussef (PT) apresentam discursos centrados em temas centrais para a sociedade. Saúde, Segurança e Educação.
No campo da Educação o discurso dos dois candidatos, ainda que não completamente igual, apresenta elementos em comum no seu discurso (como pode ser visto aqui), que saltam aos olhos: centralidade na "educação de qualidade", escola em tempo integral, construção de escolas técnicas, valorização do trabalho do professor, uso de métodos de avaliação de resultados (quanto a qualidade do ensino prestado), sem contar a ampliação do apoio ao ensino superior, seja via incentivos como o ProUni, seja via ampliação de vagas nas Faculdades e Universidades do país. Tudo isso colocado dentro de um lógica que diz que só a educação é capaz de fazer "o Brasil avançar rumo ao primeiro mundo", melhorando , portanto, as condições de vida da população e transformando cada indivíduo em cidadão crítico e participativo. Além disso tem o bônus do emprego pleno.
Conversa para boi domir?


Independentemente do projeto de país que ambos os candidatos apresentam para o país, existe no campo da educação a mesma concessão teórica que coloca em xeque as abordagens na formação do profissional da saúde: a educação é transformadora.
Paulo Freire (1921 - 1997): educação transformadora
Ora, mas é comum ouvir-se falar, por exemplo, da obra de Paulo Freire, educador brasileiro que trabalhou arduamente enquanto construtor de uma forma de aprendizagem que favorece elementos da realidade, de forma crítica e que permitisse que cada indivíduo fosse sujeito ativo do processo. Isso sem contar o grande senso comum que dispõe a educação como forma de alavanca social para melhores condições de vida. Mesmo o aprendizado informal, a tal "escola da vida" é valorizada. Quem sabe por!
Então qual seria a limitação disso tudo?
A limitação está na função da educação na sociedade humana. Principalmente quando o assunto é escola já que, desde o seu príncipio, serviu como aparato social para a transmissão de conhecimentos para a população como um todo.
Toda sociedade, de forma simplificada, pode ser descrita com base nas relações sociais que os indivíduos que a constituem estabelecem. E aqui não podemos ignorar que as relações mais simples, mais inerentes ao ser humano são aquelas que envolvem a manutenção da própria vida. Ou seja, as relações que envolvem a produção dos meios de subsistência daquela sociedade. 
Por exemplo, dentro de uma sociedade primitiva, como aquela em que se encontram muitas sociedades indígenas ainda hoje, a forma como a produção dos meios de subsistência está organizada acaba por determinar as demais relações e influênciar decisivamente a visão de mundo de cada sujeito incluído nesse contexto. Pulando das macro para as micro relações, na nossa sociedae moderna por exemplo, as coisas não diferem em nada. As relações do mercado determinam a nossa visão de mundo. O mercado ainda sim não é uma divindade ou uma entidade a parte da sociedade. Mas apenas uma criação humana, fruto de um grande movimento histórico.
Contradições sustentadas pela educação
Portanto a educação, seja ela obtida dentro ou fora da escola, não foge do contexto em que está inserida. Não basta, portanto, acreditar que a educação, por si só, é capaz de transformar a sociedade - em suas relações mais básica, senão faria-se apenas maquiagem. A educação formal produz como resultado indivíduos capazes de atuar dentro daquela sociedade de forma harmônica, inseridos na cadeia produtiva e prontos para defendê-la. De transformadora a educação possui apenas o potencial. Potencial para fornecer a cada pessoa a possibilidade de entender a realidade em que está inserido e refletir sobre isso. Quando muito. Potencial para permitir que críticas as formas da organização da sociedade sejam feitas. Potencial para construir novas formas de viver, seja através da tecnologia, seja através da análise dos diversos elementos inseridos na vida diária.
Quando se fala, então, em educação de qualidade, entenda-se que é uma educação que tenha qualidade em cumprir o seu papel. Ou seja, formar o profissional, a pessoa que vai se apropriar das ferramentas que interessam ao mercado (e, por mais contraditório que possa parecer, a sociedade que sustenta esse mesmo mercado). As outras promessas (valorização do professor, ampliação de vagas, etc) geram ceticismo, primeiro quanto a sua implementação, depois quanto aos reais interesses. Merece destaque aqui o investimento em escolas técnicas já que, como o próprio nome diz, elas se baseam em garantir a posse de uma técnica, de reprodução mecânica, inserida diretamente na linha de produção. Nâo é nem discutido a formação para a sociedade em termos formais. Pior que isso. A escola técnica, ainda que importante do ponto de vista social por incorporar um conjunto de saberes fundamentais por serem o resultado do acúmulo de milhares de anos de desenvolvimento humano, se exime de discutir com esse indivíduo sua realidade e suas potencialidades. Ou pior, se dispôe apenas a discutir as potencialidades "profissionais".
Mas ainda que o acesso educação garanta em, boa medida, ascenção sócio-econômica na nossa sociedade ela não é capaz de erradicar o desemprego. Não o foi em nenhum país capitalista do mundo e não será no nosso. E a razão não é tão complicada como pode parecer a primeira vista.

O próprio setor produtivo depende grandemente de uma certa taxa de desemprego. A competição entre as empresas gera, quando muito a longo prazo, demissões. A guerra gerada por melhores desempenhos leva a uma constante substituição do trabalho humano pelo trabalho de máquinas. Além disso a eterna reorganização do sistema produtivo em busca do aumento da produtividade com gastos cada vez menores gera o mesmo resultado. O indicador taxa de desemprego, fator de análise bastante comum, discute não o quanto falta de empregos para de percentual da população economômicamente ativa, mas sim o potencial de insatisfação popular quanto aos rumos da economia. 
Não é a educação, ou a falta dela, que produz o desemprego então. Nos países desenvolvidos a diminuição da taxa de desemprego se dá, além dos ganhos sociais conquistados por suas sociedades, pela balança comercial favorável quanto aos demais países do mundo. A dependência que o mundo tem das economias ditas centrais influenciam positivamente o setor produtivo interno destas. Como resultado, diminui-se o desemprego. Mas isso não é eterno como se pode ver em diversas crises econômicas históricas. Mas isso já é assunto para outra hora. 
Além da educação formal, existe também aquela que se dá nos mais diversos ambientes. Existem autores que consideram-nas de mesma natureza. Outros discordam. A separação aqui é apenas didática.
Desde o nosso nascimento a construção da percepção da realidade se dá através das nossas relações sociais. Em termos biológicos isso pode ser observado na ausência de desenvolvimento de certas funções do sistema nervoso quando o mesmo não é devidamente estimulado.

Lev Semenovitch Vygostky (1896 - 1934):
centralidade nas relações de produção.


A educação que se dá como processo social, como nos mostra  Lev Vygostky. O cerne do seu trabalho está na forma como as relações sociais são, em última análise, o elo entre o indivíduo e sua percepção da realidade. Portanto, de novo, a maneira como a sociedade se organiza, nos seus elementos centrais a sobrevivência (modo de produção) influência sobremaneira como cada indivíduo dentro desta mesma sociedade a vê. Não é impossível romper com os valores que nos são inculcados desde a infância. Mas as forças sociais construídas de forma a manter tais valores, na forma da ideologia vigente (família, mídia de massa, etc) ou do própria Estado (escola, polícia, etc) e, ainda, a sofisticação de tais forças, garantem a manutenção de um forma hegemônica de pensamento. Fundamental para a reprodução das relações sociais que a geraram.
Resta, portanto a reflexão:em que sentido é utilizado a educação transformadora a que se refere Paulo Freire?

Esta primeira parte do texto serviu principalmente para dar sustentação a discussão sobre a Formação do Profissional de Saúde. A tarefa não é fácil já que o tema demanda a análise de uma enormidade de fatores e a elucidação de como estes mesmos fatores foram construídos.
    






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